Reproduzimos na íntegra o boletim do CNE.

CAOS NO BRASIL! APAGÕES EM SÉRIE COMPROVAM

O FRACASSO DAS PRIVATIZAÇÕES DA ELETROBRAS

E DE TODO O SETOR ELÉTRICO NO PÁIS!

 

Após o apagão nacional de 15/08/2023, onde sofreram com desligamentos 25 estados da federação e o Distrito Federal, nas últimas semanas aos quatros cantos do Brasil tudo tem sido um verdadeiro caos! Apagões em cidades inteiras de diversas regiões do país, dificuldade no reestabelecimento da energia e desculpas desencontradas dos governantes cada vez mais perdidos em estados e municípios afetados. Afinal, por que estão acontecendo tantos apagões no Brasil?

 

É verdade que o recrudescimento das altas temperaturas alavancadas pelo aquecimento global, trouxe um efeito devastador no combalido setor elétrico brasileiro privatizado. Mas o outrora robusto setor elétrico deveria estar pronto para resistir a essas reações adversas da natureza ou minimamente estar pronto para restabelecer com velocidade e eficácia os eventos de blecaute que assolam a população. Por que isso não acontece?

 

Há anos o Coletivo Nacional dos Eletricitários vem alertando a sociedade brasileira para os riscos decorrentes dos processos de privatizações desenfreadas no setor elétrico e para as consequências que não costumam demorar nestes casos. Foram centenas de boletins, audiências públicas debatendo os efeitos de privatizações em setores de infraestrutura, fundamentais para a vida do cidadão comum.

 

Pois bem, a despeito das altas temperaturas decorrentes do aquecimento global, há uma recorrente equação de fatores bombásticos que fragilizam o setor elétrico pós privatização.

 

Primeiramente a política de desinvestimentos que precede as privatizações na maioria das vezes ignora a necessária avaliação de modernização e até substituição de equipamentos antigos/obsoletos que em períodos de sobrecarga podem simplesmente sucumbir.

 

Além disso, é senso comum que nos períodos de alta temperatura os equipamentos de engrenagem do setor elétrico superaquecem e ficam sobrecarregados pelo alto uso de aparelhos de refrigeração e equilíbrio de temperatura.

 

Como agravante, depois das privatizações, profissionais mais experientes que inclusive foram forjados a contornar os dois problemas anteriores, são desligados em grandes ondas de plano demissão. E quase sempre são processos rápidos, visando a diminuição do custo de pessoal e sem tempo e planejamento para a transmissão do conhecimento aos empregados mais novos e a retenção do capital intelectual para a empresa.

Essa equação nefasta de desinvestimento e demissões que fragiliza o setor elétrico privatizado, que o torna mais exposto a apagões e que dificulta o restabelecimento da energia, foi usada e propagada pela Eletrobras e pelas suas subsidiárias Furnas, Chesf, Eletronorte e CGTEletrosul. Bem como nas distribuidoras privatizadas nos anos 90 e tantas vezes “reprivatizadas” ao longo dos anos. A cartilha da Eletrobras é a mesma da ENEL que apagou São Paulo, Goiás e interior do Rio, da Light que junto com Furnas apagou o Rio de Janeiro, a Equatorial e a Energisa apagaram o nordeste junto com a Chesf, da NeoEnergia que por vezes apagou Brasília desde a privatização da CEB.

 

O episódio do Diretor da ENEL depondo na CPI do Apagão na Assembleia Legislativa de São Paulo e a sessão sendo interrompida por um novo apagão foi uma piada pronta. O anunciou prévio da ENEL de que São Paulo teria novos apagões neste fim de semana foi uma péssima sinalização de descontrole e falta de rumo.

 

Nesse cenário, manifestações de rua em São Paulo (Brazilândia) e no Rio de Janeiro (Rocinha) e tantas outras com incêndios e barricadas são peculiares de uma população fragilizada e revoltada sempre que é tolhida de insumos necessários, essenciais para a vida como água e energia. Quando o povo vai para as ruas, a classe política se retrai, se mobiliza e tenta conter danos. No caos, o custo político é alto, altíssimo.

 

Inclusive, cabe registrar que a “mudança de discurso” de autênticos liberais de direita contra as empresas privatizadas como Tarciso (governador de SP) e Ricardo Nunes (prefeito de SP) é meramente oportunista e hipócrita. Agora eles condenam a gestão privatizada por medo de perderem capital político no caos que toma conta do setor elétrico, mas sempre foram a favor do estado mínimo. Tarciso inclusive modelou a privatização da Eletrobras e agora corre para privatizar a SABESP.

 

Tarciso e Ricardo Nunes podem ser qualquer coisa, menos burros, tolos! Eles sabem bem que a história comprova que os apagões em série trazem um custo político devastador, são verdadeiros cemitérios de reputação. No início deste século, uma política desenfreada de liberalização do setor elétrico na Califórnia que culminou com o escândalo da ENRON, derrubou o governador do estado e deu vida e voz ao então novo governador, o ator Arnold Schwarzenegger, o primeiro grande outsider na vida pública deste século e tudo por descrença total na classe política tradicional.

 

No Brasil, a política de desinvestimento em geração e transmissão de energia e a desenfreada privatização das distribuidoras nos anos anteriores de governo Fernando Henrique Cardoso, culminou no fatídico apagão de 2001. Chamado “carinhosamente” de racionamento de energia, começou em 17 de maio daquele ano e durou nove meses.

 

Desde então, cerca de um terço da iluminação pública das ruas foi apagada. Como medida, o governo também determinou o racionamento por parte de consumidores residenciais e industriais no Distrito Federal e em mais 16 estados das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.

 

A conta de luz sofreu uma série de alterações, com previsão de multa e até corte de energia para quem não cumprisse as determinações de reduzir em 20% o consumo de energia elétrica. Essa crise ocorreu no último ano do segundo mandato presidencial de Fernando Henrique e foi um dos fatores preponderantes para o desgaste da política de desestatizações e a quebra de ciclo de governos do PSDB (partido de FHC).

 

Agora, no apagão de 15 de agosto, inclusive, quando o Brasil ficou às escuras ninguém foi procurar o presidente da Eletrobras privatizada, apontada desde o início como a responsável pelo evento zero. Eles procuraram o Ministro de Minas e Energia, o Diretor Geral da ANEEL e o Diretor Geral do ONS. É sempre assim. O serviço é privado, mas a concessão é pública. O custo político das privatizações no setor de energia elétrica é avassalador quando a conta chega. E é sempre o governo que paga!

 

No governo Bolsonaro, quando o estado do Amapá apagou por 22 dias por conta de desinvestimento, péssimo equipamento e quarteirização de mão de obra, por má gestão de uma empresa espanhola de uma linha de transmissão, quem socorreu o estado foi a Eletrobras Eletronorte que ainda era pública. E agora, quando a Eletrobras privada falhar, quem a socorre?

 

Pelo mundo, segundo estudo do Transnational Institute mais de mil empresas foram reestatizadas neste século com destaque para países centrais do capitalismo, como EUA, França e Alemanha. Os principais setores reestatizados foram os serviços públicos essenciais: desde fornecimento de água e energia, até coleta de lixo.

 

A onda das reestatizações ocorre 30 anos depois da epidemia neoliberal que tomou conta da Europa e dos EUA no fim dos anos de 1970 e no início de 1980. O diagnóstico para a retomada de serviços essenciais ao Estado é quase sempre o mesmo: não há investimento para a expansão e manutenção da malha e com isso há piora nos serviços. As tarifas crescem absurdamente e muitas vezes as agências reguladoras perdem poder por conta de decisões judiciais e a maior parte dos lucros e dividendos são desnacionalizados uma vez que a maior parte das vencedoras de leilões pelo mundo são empresas multinacionais, sediadas em outros países.

 

Na contramão do mundo, o Brasil privatizou a Eletrobras no governo Bolsonaro/Paulo Guedes, no ano passado (2022) e o atual Ministro de Minas e Energia sugere simplesmente estender por 30 anos as falidas concessões privatizadas de distribuição de energia.

 

Por todo o exposto, é imperativa a discussão do futuro dessas concessões, do controle dessas empresas. No caso da Eletrobras, gigante do setor de geração, transmissão, transformação e comercialização de energia, é fundamental que se dê celeridade às ações para a retomada do poder de voto e intervenção da União na Assembleia de Acionistas. A discussão está no Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7385/2023. É preciso acelerar!

 

No caso das distribuidoras privatizadas nos anos 1990 que prestam péssimos serviços em todo o Brasil, a solução proposta de renovação automática das concessões é absurda! É naturalizar os apagões e legitimar o descaso com a população que paga caro por um serviço de baixa qualidade. É preciso avaliar caso a caso. É preciso ampliar o debate! Ou levamos esse assunto a sério enquanto ainda temos algum tempo ou vamos amargar as consequências de um descontrole generalizado no setor elétrico brasileiro privatizado.

 

Por fim, o Coletivo Nacional dos Eletricitários faz mais um alerta. Se nada for feito pelo Governo Lula naquilo que lhe cabe, se todos os pedidos para intervenção do Estado Brasileiro enquanto Poder Concedente no setor elétrico brasileiro forem ignorados, nós continuaremos tendo apagões cíclicos, em espiral e os donos das empresas no máximo vão sair do Brasil e gastar suas fortunas acumuladas em alguma ilha paradisíaca. Mas o governo será responsabilizado e como sempre pudemos ver, o custo político é sempre alto, altíssimo. Que haja luz para iluminar as melhores decisões… Nós do CNE como sempre avisamos. Sigamos na luta!